Wednesday, May 31, 2006

O quieto Marquinho

Marquinho era magrinho, fraquinho, branquinho e tinha um narigão, orelhonas e olhos normais, mas que pareciam olhões atrás dos grossos óculos. Nasceu assim e morreria assim.

Talvez por isso era tímido ao cúmulo ao cubo.

Filho único, falava pouco com a mãe e o com o pai e só, mais ninguém.

Na escola tinha um amigo na cantina, um chapeiro gordo que falava mais que o homem da cobra. E ele falava cobras e lagartos sem parar, não parava, falava, continuamente, o tempo todo, ás vezes esquecia de respirar, sem parar, era tagarela, conversava sozinho se fosse possível, dormia falando, e era aquela coisa, o tempo todo, repetia também, repetia também, repetia também, repetia também.

Chega!

Mas Marquinho nunca nem sequer falou a palavra chega. O chapeiro nunca percebeu que Marquinho era tímido. Um falava o outro escutava, eram perfeitos.

O maior pavor de Marquinho eram as pessoas que encostavam nele, não esbarrões ou eventuais abraços, beijos ou apertos de mão. Mas os que recebem para encostar na gente: o cabelereiro cortando o cabelo, o dentista procurando por cáries, o médico medindo a pulsação. Por algum motivo não só encostar nas pessoas basta para estes violadores, eles falam o tempo todo. O chapeiro gordão não encostava em Marquinho. E também não esperava resposta. Mas os profissionais da tocação esperam resposta.

“Como choveu ontem,né?”. Marquinho sentia ele mesmo sua pulsação no pescoço, ao lado da quieta goela e ia embora pior do que entrou. Aquela frustração devia dar câncer.

Aos 13 anos entretanto, Marquinho teve seu corpo inundado por hormônios. Falou. Ele agora tinha o bigodinho ralo se movendo freneticamente em sincronia com o pomo de adão.

Conversava com a cabelereira virando a cabeça todo o tempo e tinha um corte torto. No dentista ele babava mas não calava.

Começou a falar e brigou com o chapeiro gordão. Arranjou uma namorada bonita para mandar ela à merda. Fez um filho numa noite de sexo quando gritou sem parar. Deu sermão no namorado da filha. Mentiu para a amante e para a mulher. Falou para seu ex-sócio: “Somos ex-melhores amigos”.

Tinha 53 anos e a partir de agora, de costas para o procotologista, Marquinho não falaria nunca mais. Não responderia sobre o calor que fez ontem. Seria tocado pelo médico e calaria.

1 comment:

Anonymous said...

Já mencionei aqui o Trevisan como uma longinqüa referência para os textos do Ornito, agora o faço novamente para ressaltar que a mesma temática e o mesmo tratamento enxuto nos textos deste, remetem ao mestre Trevisan que, por alguma coincidência não revelada do destino também é do Paraná. Será que aquele estado tão sem litoral e tão frio está produzindo um novo virtuose do conto curto?