Tuesday, July 31, 2007

Trabalho insalubre

Meu irmão trabalha em uma mina de carvão e eu sou um analista de sistemas.

As perguntas mais comuns sobre o trabalho do meu irmão envolvem insalubridade.

Olho pro meu irmão e vejo um cara saudável e forte, com uma boa postura, musculatura firme, pele bonita, sorriso largo.

Eu, um animal corporativo de carga média diária de trabalho de 9 horas na frente de um computador, estou barrigudo, estou ficando corcunda, estou desbotado pela falta de sol e minha mão direita tem dores estranhas causadas pelo uso do mouse e do teclado. Acho até que a capacidade de focar objetos além dos 40 centímetros onde fica a tela do laptop está ficando debilitada. Sem contar todo o desgaste psicológico de se perceber que se será um bicho preso num cubículo por anos.

Isto sim é insalubridade.

Friday, July 27, 2007

OS INTERNALFAS

É sabido, porquanto os registros históricos nos contam, que, ao longo do decurso evolutivo da sociedade humana; que a uma nova técnica incorporada; a um novo método desenvolvido ou a um novo “melhoramento” na comunicação ou no que tange a confecção ou indústria de artefatos, objetos, moradias, armas, utensílios ou coisas do dia-a-dia, uma boa parcela dessa sociedade se via excluída do processo. Isto é, nem todos tinham acesso à novidade, mesmo que esta levasse anos para ser absorvida e utilizada pelo grupo humano que a criou. Não é difícil entender por que. Quando os Sumérios, por exemplo, criaram a escrita, ou os Egípcios passaram a registrar sua história através de hieróglifos, nem todos daquelas sociedades eram compelidos a usar tais meios de comunicação, não tinham necessidade de fazê-lo, não fazia parte do cotidiano da grande massa do “povo” utilizar escrita ou hieróglifos, a comunicação escrita não lhes trazia quaisquer benefícios, suas vidas domésticas e profissionais não precisavam dessa ferramenta nova. Só os próceres, como sacerdotes, escribas e nobres usavam a “novidade”. Os demais, grande maioria, passaram a ser analfabetos. Mesmo em épocas bem mais recentes como na Europa da idade média, os textos, livros, manuscritos e panfletos eram acessíveis a muito poucos, o povão vivia na escuridão do analfabetismo. A sociedade humana evoluiu e a escrita, foi, aos poucos, fazendo-se necessária, na medida em que criou sua própria demanda, isto é, a complexidade das relações entre povos, nações, grupamentos e indivíduos era de tal ordem que só a comunicação oral não era suficiente para suportar o gravame de tais interdependências. A palavra escrita se impôs, e os analfabetos, marginais da história, agora, ainda que maioria, deslocaram-se para as camadas menos aquinhoadas, formaram a multidão dos despossuídos, dos pobres, dos servos e escravos. O progresso social é implacável, não contempla aqueles que não o acompanham. Continuou o progresso a marchar com passos largos ao rufar de tambores das tecnologias novas, continuou a criar novidades e assimilar novos saberes e sucessão de necessidades impossíveis de serem absorvidas por todos. Chegamos à última década do século vinte e, na cauda da informática, veio a internet. Oh internet! Marco divisório entre os que sabem e os que não sabem! Fez surgir um universo paralelo no qual tudo existe e, do qual, aqueles que têm acesso tudo podem extrair, mas criou uma nova classe de excluídos, os INTERNALFAS, na qual me incluo. Nós, os internalfas, ainda somos como os sumerianos dos primórdios da escrita, não temos necessidade vital da internet, nossa vida não depende dela. Mas chegará o dia em que aqueles que não souberem utilizá-la não terão oportunidades iguais aos demais, serão os párias de uma sociedade tecnológica, serão cidadãos de segunda linha. Estarão à margem das atividades daqueles “escolhidos” que usufruirão do que a internet tem a oferecer, a sociedade estará dividida entre os internautas e internalfas, classes distintas de senhores e servos. É hora de acordar! Internalfas de todo mundo, adentrai o mundo internético, tudo que tendes a perder é a vossa ignorância! JAIR CORDEIRO LOPES (convidado)

Thursday, July 26, 2007

Taxiodermia

Taxiodermia:
(cs) sf (táxio+dermo+ia1) Arte que consiste em dissecar os animais mortos, para os conservar com aparência de vivos. Var: taxidermia.


- O quê que está acontecendo aqui? Que pouca-vergonha é esta?

Seu Joaquim, enfurecido, olhava para sua filha de 14 anos com aquele moleque que na semana anterior foi apresentado como um colega de escola que tinha vindo estudar matemática com ela. Os dois estavam nus na cama dela agora se cobrindo com o lençol.

Adriana nervosa como nunca esteve só conseguia chorar e dizer:

- Calma pai, calma pai.

- Calma coisíssima nenhuma. E tu muleque, como é que é teu nome mesmo, Maurício, né. Vem cá que a gente vai conversar.

Os dois deixam o quarto e Adriana chorando. Maurício tremendo e ainda abotoando os jeans. Os dois descem as escadas para a sala de estar.

- Senta aí. Ele empurra o moleque para uma poltrona ao lado de uma estante onde guardava seus pássaros empalhados.

-Seu...Seu Joaquim...

-Tu cala essa tua boca, não quero ouvir nem um pio seu muleque safado!

Maurício se encolheu de pavor como nunca havia sentido.

- Você tá vendo estes pássaros aí?! Vou fazer a mesma coisa com você muleque filho duma puta.

Sete anos se passaram.

Aquele dia teria sido como foram todos os dias dos últimos sete anos. Adriana era uma fantasma presa numa casa onde Joaquim passava o dia sentado em sua escrivaninha empalhando pássaros sem abrir a boca. Para Joaquim, ele não tinha filha.

Na época do desaparecimento do Maurício a escola toda imaginou o que teria acontecido pois Adriana também não voltou mais pra escola. Pensavam eles, os dois teriam mudado de escola por vergonha.

Mas Adriana logo não se preocuparia com mais nada disto. Teve bastante tempo para aprender com os livros do pai. E hoje ela faria questão de colocar seu amado Maurício na escrivaninha de seu pai e colocar seu pai na garagem onde Maurício tinha estado todos estes anos. Tudo estaria no lugar certo.

Tuesday, July 24, 2007

Papo Gay


Vindo de um curso técnico no Cefet-PR o curso de comunicação social na UFPR me parecia um protesto anti status quo. Talvez por que se lê Marx ou quem sabe porque se usa muita droga, cursos da área humana em geral tem esta característica de quererem mudar o mundo.

O resultado era que ser diferente, ser alternativo era a regra, era o lugar-comum nestes cursos. Vestia-se de maneira diferente do resto, lia-se livros que poucos leram, escutava-se rock finlandês, estas coisas. Acabavam ficando todos iguais, mas isto é outro texto.

Umas meninas levavam isto para um nível acima e de repente decidiam ser lésbicas. Se elas sempre foram, se eram bissexuais, não sei. O que importa é que ao anunciarem em alto e bom som que eram homossexuais seu nível de alternatividade, com perdão do neologismo, aumentava e elas gostavam da atenção. Além dos braços completamente tatuados, além de fumar maconha hidropônica, elas eram as mais diferentes de todos os diferentes porque eram lésbicas.

Li que um bar gay em algum canto da Austrália ganhou o direito por lei de barrar heterossexuais de adentrá-lo. A discussão então girou em torno de se este tipo de discriminação não é exatamente contra o que os grupos GLS de bandeira de arco-íris lutam. Eu quero ter todos os direitos que um não-gay tem, mas eles que não venham dividir uma cerveja comigo.

Já comentei aqui no Ornitorrinco sobre algo nesta linha que aconteceu comigo.

Há uns meses, passei uns dias na casa de um amigo em Boston. Ele por algum mistério da natureza social atrai várias lésbicas para sua volta para serem suas amigas. (Para sua infelicidade raramente uma das suas amigas dá pra ele).

Fizemos uma festa e convidamos as amigas dele. No meio da noite os convidados eram várias das meninas lésbicas cercadas por caras que pela maneira que as cantavam, não eram gays. Uma delas de uns 20 anos e de atitude bem marrenta olha pra mim, do outro lado da sala, e com a atenção de todos pergunta: Você parece ser legal, mas você não é gay, é? Naquela hora me veio a imagem das menininhas da Federal que se achavam melhor porque eram gay. Lembrei também do dia que fui recriminado num bar por não ser gay. Porém não tenho nenhum tipo de sentimento contrário a gays, então elaborei a seguinte resposta:

- “Eu não acredito nestas coisas”. O povo em volta parou e ficou me olhando com cara de “O que que este cara está falando?”.

Se uma mulher fez sexo com outra uma só vez, ela passa automaticamente a ser homossexual? Se um sujeito pensou sobre outro homem com algum tipo de desejo, ele é gay? As meninas que dão beijo na boca umas das outras mas não fazem sexo são lésbicas? Acho que o conceito de ser gay ou não não existe. É um pensamento, como diriam meus colegas comunicólogos, muito positivista.

- “Em suma, eu nem entendo o que sua pergunta quer dizer.” Ela se calou, fui parabenizado por uns dois e de alguma maneira senti que fiz um favor para ela e para todos do mundo gay, se é que isto existe.

Saturday, July 21, 2007

ACM

No meio de tanta tragédia uma notícia boa: ACM morto!

Monday, July 16, 2007

Whoever has the most toys wins

Aqui nos EUA o lema para muitos é que na vida quem tem mais brinquedos ganha. Isto é, aquele que conseguir comprar a maior casa e enchê-la de carros, motos, barcos, TVs, computadores teve uma vida plena e completa. Acreditem, muita gente pensa assim aqui. Reflexo de uma cultura capitalista, materialista, consumista.

Eu como vocês podem imaginar não penso assim. Numa frase resumida como esta, diria que ganha quem teve o maior número de experiências variadas e de algum modo com elas aprendeu.

E vocês como pensam?

Friday, July 13, 2007

Muito indignado

Há um tempo atrás publiquei um texto chamado Indignado quando lamentava que o site Nomínimo, o melhor site de opinião do Brasil, poderia morrer por falta de patrocínio. Pois bem, o Nomínimo morreu.

Não sou muito de teorias conspiratórias mas ás vezes parece mesmo que a elite brasileira, que tem o poder e a grana para patrocinar inteligência, quer mesmo que o povo viva de bundas e novelas.

Aqui, no estilo do Nomínimo, leio o Slate (em inglês). Lá encontro vida inteligente neste país aqui que também precisa de uma sacudida no status quo.

Tuesday, July 10, 2007

Não se pode ter tudo

Demorou mas finalmente fui conhecer o litoral texano.

Por que não ouvimos falar em surfistas texanos? Afinal o Texas tem uma linha litorânea tão extensa quanto a catarinense somada à paranaense.

Por que não há invasões de turistas todos os anos em busca das praias do Texas? Afinal o mar é o do Golfo do México, quase Caribe.

Agora fica fácil entender. Galveston, a praia para a qual eu fui, me contaram é como a maioria das praias daqui: areia marrom coberta de algas marrons banhadas por uma água marrom.

E eu que reclamava do litoral paranaense...

Monday, July 02, 2007

Uma prova de amor em 2039

O jantar tem que estar perfeito pro aniversário dele. Ela pensava. Como ele era perfeito. Seu aniversário merecia tudo de melhor que ela pudesse fazer.

Ela estava feliz, ele sempre foi perfeito para ela, ou melhor, o mais perfeito que um ser humano pode ser. Talvez o mais perfeito que qualquer coisa em geral. Me chateio muito mais com meu lap top por exemplo. Pega vírus, tem a conexão lenta e me incomoda.

Hoje o que importava era dizer o quanto ela o amava e o quanto seria maravilhoso continuar sendo sua mulher nos aniversários dele de 40, 50, 80 anos.

Mais tarde, à mesa:

- Minha linda, hoje eu tenho que lhe contar algo.

Aquela afirmação soou carregada.

- Que foi meu amor?

Ele então disse:

- Eu menti quando disse que meus pais haviam morrido quando eu tinha um ano de idade.

- Como assim, não estou entendendo.

- Eu nunca tive pais.

- Você sempre foi órfão, sua mãe morreu durante o parto?

- Não nada disto. Eu fui criado em laboratório.

Ela dá uma risada, um pouco nervosa. Ele sempre faz piadas, mas algo está estranho no seu tom de voz.

- Pára, Amor, coisa sem graça. Que besteira.

Ele sem sorrir, força para parecer o mais calmo e sério que consegue. Sim, ele era bem brincalhão gostava de gozações mas aquele era o momento por qual esperara desde que aprendeu sobre sua criação. Ele tinha 20 anos quando entendeu como tinha sido criado. Agora estava pronto para dividir aquilo com alguém.

- Bem, vamos lá. Há muitos anos o homem tenta entender como a vida surgiu. Desde 1953 uma experiência chamada Urey-Miller simula as condições da terra há bilhares de anos atrás aplicada a elementos básicos e tenta fazer com que um microorganismo vivo surja de elementos inorgânicos. Átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e o nitrogênio são sujeitos a diferentes condições de temperatura, pressão e corrente elétrica. Mas nunca tinha sido possível criar nada vivo.

- Isto até 2009, a trinta anos atrás. Pela primeira vez criou-se uma célula viva em laboratório partindo daqueles elementos. Esta célula foi chamada Pó Zero e tinha todas as funções de uma célula normal. Era como qualquer célula controlada por genes de proteínas. Era como qualquer outra célula que agora me compõe.

- A tecnologia para se clonar uma célula viva há anos existia, então depois de criada, a Pó Zero foi facilmente clonada para servir de zigoto. Implantada num útero, a natureza seguiu seu rumo, e bem, eu estou aqui.

- Então eu não entendo. Qual a diferença entre você e eu?

- Nenhuma. Com exceção que você sempre foi matéria viva, mesmo com seus genes divididos entre seus pais, você sempre foi matéria viva.

- Quer dizer, se voltarmos no tempo partindo dos seus pais, passando por seus avós, bisavós, por dezenas de milhares de gerações, até chegarmos às primeiras espécies de quase-humanos, voltarmos mais alguns bilhões de anos até os primeiros seres unicelulares, em algum momento você como eu não era orgânica.

- Agora sim linda, eu posso fazer uma piadinha: Na verdade a diferença é que eu sou mais ou menos 4 bilhões de anos mais novo que você.

Ela ri, ele sorri. Ele estava feliz. Queria dividir isto com ela. Amava ela e queria sim passar o resto da sua vida ao lado dela, até o dia que voltaria a ser inorgânico.